POESIA
Mas...
E eu que achei que a lua não brilhasse
Sobre os mortos no campo da guerrilha;
Sobre a relva que encobre a armadilha,
Ou sobre o esconderijo da quadrilha...
Mas brilha
E achei que nenhum pássaro cantasse,
Se um lavrador não mais colhe o que planta,
Se uma família vai dormir sem janta,
Com um soluço preso na garganta...
Mas canta
E achei que a chuva não regasse
A folha cujo leite queima e cega;
A carnívora flor que o inseto pega;
Ou o espinho oculto na macega...
Mas rega
E achei que o orvalho não beijasse
A venenosa cobra que rasteja,
No silêncio da noite sertaneja,
Sobre as ruínas de esquecida igreja...
Mas beija
Imaginei que a água não lavasse
O chicote que eu sangue se deprava,
Quando de forma monstruosa e brava,
Abre trilhas de dor na pele escrava...
Mas lava
Imaginei que nenhuma borboleta,
Por ser um vivo exemplo de esperança,
Dançaria contente, leve e mansa,
Sobre o túmulo em flor de uma criança...
Mas ela dança
E achei que eu não mais fizesse,
Poema algum após tanto embaraço,
Tanta decepção, tanto cansaço,
E tanta espera em vão por teu abraço...
Mas eu faço.
Antônio Roberto Fernandes