quinta-feira, 30 de agosto de 2018

Conhecendo a poesia de Cora Coralina

 


       

   

Todas as vidas
Cora Coralina
Vive dentro de mim
uma cabocla velha
de mau-olhado,
acocorada ao pé do borralho,
olhando pra o fogo.
Benze quebranto.
Bota feitiço...
Ogum. Orixá.
Macumba, terreiro.
Ogã, pai-de-santo...
Vive dentro de mim
a lavadeira do Rio Vermelho,
Seu cheiro gostoso
d’água e sabão.
Rodilha de pano.
Trouxa de roupa,
pedra de anil.
Sua coroa verde de São Caetano.
Vive dentro de mim
a mulher cozinheira.
Pimenta e cebola.
Quitute bem feito.
Panela de barro.
Taipa de lenha.
Cozinha antiga
toda pretinha.
Bem cacheada de picumã.
Pedra pontuda.
Cumbuco de coco.
Pisando alho-sal.
Vive dentro de mim
a mulher do povo.
Bem proletária.
Bem linguaruda,
desabusada, sem preconceitos,
de casca-grossa,
de chinelinha,
e filharada.
Vive dentro de mim
a mulher roceira.
– Enxerto da terra,
meio casmurra.
Trabalhadeira.
Madrugadeira.
Analfabeta.
De pé no chão.
Bem parideira.
Bem criadeira.
Seus doze filhos.
Seus vinte netos.
Vive dentro de mim
a mulher da vida.
Minha irmãzinha...
tão desprezada,
tão murmurada...
Fingindo alegre seu triste fado.
Todas as vidas dentro de mim:
Na minha vida –
a vida mera das obscuras.


Poemas dos becos de Goiás e estórias mais, Global Editora, 1983 - S.Paulo, Brasil

 Biografia de Cora Coralina
Cora Coralina (1889-1985) foi uma poetisa e contista brasileira. Publicou seu primeiro livro quando tinha 75 anos.
Ana Lins dos Guimarães Peixoto, conhecida como Cora Coralina, nasceu na cidade de Goiás, em Goiás, no dia 20 de agosto de 1889.  Cursou apenas até a terceira série do curso primário. Começou a escrever poemas e contos quando tinha 14 anos, chegando a publicá-los no jornal de poemas “A Rosa”, em 1908.
Em 1910, foi publicado o seu conto "Tragédia na Roça" no "Anuário Histórico e Geográfico do Estado de Goiás", usando o pseudônimo de Cora Coralina. Em 1911, fugiu com o advogado divorciado Cantídio Tolentino Bretas. Em 1922 foi convidada a participar da Semana de Arte Moderna, mas foi impedida por Cantídio.
Em 1934, depois da morte do marido, Cora tornou-se doceira para sustentar os quatro filhos. Viveu por muito tempo de sua produção de doces, se achava mais doceira do que escritora. Considerava os doces cristalizados de caju, abóbora, figo e laranja, que encantavam os vizinhos e amigos, obras melhores do que os poemas escritos em folhas de caderno.
Já em São Paulo, em 1934, trabalhou como vendedora de livros na editora José Olímpio. Com 70 anos decidiu aprender datilografia para preparar suas poesias e entregá-las aos editores. Em 1965, aos 75 anos conseguiu realizar o seu sonho de publicar o primeiro livro, "O Poema dos Becos de Goiás e Estórias Mais". Em 1976, foi lançado seu segundo livro "Meu Livro de Cordel" pela editora Goiana. O interesse do grande público só foi despertado graças aos elogios do poeta Carlos Drummond de Andrade, em 1980.
Nos últimos anos de sua vida, sua obra foi reconhecida e foi convidada para participar de conferências e programas de televisão. Cora Coralina foi homenageada com o título de Doutor Honoris Causa da UFG.
Foi eleita com o “Prêmio Juca Pato" da União Brasileira dos Escritores, como intelectual do ano de 1983, com o livro “Vintém de Cobre: Meias Confissões de Aninha”.
Cora Coralina faleceu em Goiânia, Goiás, no dia 10 de abril de 1985.

Obras de Cora Coralina

·         Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais, poesia, 1965
·         Meu Livro de Cordel, poesia, 1976
·         Vintém de Cobre: Meias Confissões de Aninha, poesia, 1983
·         Estórias da Casa Velha da Ponte, contos, 1985
·         Os Meninos Verdes, infantil, 1980
·         Tesouro da Casa Velha, poesia, 1996 (obra póstuma)
·         A Moeda de Ouro Que um Pato Engoliu, infantil, 1999 (obra póstuma)
·         Vila Boa de Goiás, poesia, 2001 (obra póstuma)
·         O Pato Azul-Pombinho, infantil, 2001 (obra póstuma)


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