quarta-feira, 15 de setembro de 2021

POESIA de Antônio Roberto Fernandes

 


POESIA 

Mas... 

E eu que achei que a lua não brilhasse

Sobre os mortos no campo da guerrilha;

Sobre a relva que encobre a armadilha,

Ou sobre o esconderijo da quadrilha...

Mas brilha 

E achei que nenhum pássaro cantasse,

Se um lavrador não mais colhe o que planta,

Se uma família vai dormir sem janta,

Com um soluço preso na garganta...

Mas canta 

E achei que a chuva não regasse

A folha cujo leite queima e cega;

A carnívora flor que o inseto  pega;

Ou o espinho oculto na macega...

Mas rega

 

E achei que o orvalho não beijasse

A venenosa cobra que rasteja,

No silêncio da noite sertaneja,

Sobre as ruínas de esquecida igreja...

Mas beija 

 Imaginei que a água não lavasse

O chicote que eu sangue se deprava,

Quando de forma monstruosa e brava,

Abre trilhas de dor na pele escrava...

Mas lava 

Imaginei que nenhuma borboleta,

Por ser um vivo exemplo de esperança,

Dançaria contente, leve e mansa,

Sobre o túmulo em flor de uma criança...

Mas ela dança 

E achei que eu não mais fizesse,

Poema algum após tanto embaraço,

Tanta decepção, tanto cansaço,

E tanta espera em vão por teu abraço...

Mas eu faço.  

Antônio Roberto Fernandes


Um comentário: